Embora a investigação sobre o relacionamento entre ambos vá prosseguir por muito tempo, já vos posso transmitir algumas informações seguras. Alves de Sousa não conhecia previamente (à sua chegada a Paris, em 1909) o embaixador João Pinheiro Chagas, nem este aquele. Curiosamente, fazia parte do feitio de ambos uma peculiar desconfiança inicial pelo interlocutor. João Chagas, mais velho (uma geração), e duas vezes primeiro-ministro de Portugal durante a Primeira República (1911 e 1915), alvo de atentado a tiro por um senador da República, João de Freitas numa viagem de comboio Porto-Lisboa em 1915, quando ia precisamente assumir de novo o cargo de Primeiro-Ministro depois da Revolução de 15 de Maio ter destituído o ditador Pimenta de Castro (a ditadura foi a razão de Chagas ter apresentado a sua demissão de Embaixador em Paris no princípio do ano, e regressado a Portugal), o que o fez perder um olho (mais pormenores aqui - blogue "Revista à Antiga Portuguesa" e aqui - ISCCP), é de uma desarmante lucidez nos seus escritos (escreve muito bem, aliás), e isto independentemente da sua ideologia (Anti-germanófilo, Republicano e Pró-Guerra). Raros são os que poupa.É inclemente com a figura e com as ideias de todos aqueles com quem se cruza (foi aliás o que escreveu numa espécie de memórias políticas que lhe valeu o atentado), sejam ou não do seu quadrante político. Não admitia banalidade e pedantismo. À medida que foi prolongando a sua estada em Paris como Ministro de Portugal (embaixador), foi também desenvolvendo uma relação pessoal com Alves de Sousa, que acabou por apadrinhar, convidando-o inúmeras vezes para almoçar ou jantar. Trocaram favores, Alves de Sousa ofereceu-lhe algumas das suas obras e realizou o busto de Madame Chagas, a Maria de João. Comecei a explorar este filão, aliás, quando descobri uma entrada na página 4 no II Volume do Diário de João Chagas (clicar na imagem acima), em que este relata a recepção na Legação no dia 1 de Janeiro de 1915 do, entre outros, "esculptor Alves de Souza". A rotina de João Chagas no dia 1 de Janeiro de cada ano passava sempre pela Recepção ao Corpo Diplomático no Eliseu por parte do Presidente da República francesa, à altura Poincaré, seguida de uma visita ao velho Clemenceau (tão velho que viria a ser novamente primeiro-ministro de França em 1917, com 76 anos) e, finalmente, à Recepção na própria Embaixada de Portugal. Alves de Sousa não se cansava de garantir que o Ministro de Portugal era muito seu amigo, visitando-o amiúde no ateliê do 52 da Rue Vercingètorix, apreciando as suas obras (vai ver várias vezes o Orphée). Mais tarde, quando Alves de Sousa tenta (sem sucesso) ser admitido como professor na sua própria escola, a Accademia de Belas Artes do Porto, e como lhe faltasse um requisito formal essencial (o segundo grau da instrução primária), relata que Chagas lhe teria garantido que, se o Governo não fosse sensível à argumentação (de que a sua educação e desempenho artísitco em Paris dispensava o mencionado requisito formal), se arranjaria uma Portaria qualquer para que o escultor fizesse um exame extraordinário que lhe desse equivalência às habilitações em falta. Alves de Sousa, contudo, nunca viria a conseguir resolver este problema, o que terá sido uma das suas grandes frustrações. É que o escultor Oliveira Ferreira, amigo de infância mas inimigo de estimação dos anos de Paris, e a quem Alves de Sousa não reconhece grandes qualidades pessoais, havia conseguido ser interinamente o regente da cadeira de escultura quando Teixeira Lopes bateu com a porta, em 1916, substituindo o mestre de ambos.
António Alves de Sousa, escultor português,renasce aqui, 125 anos depois
quarta-feira, 29 de abril de 2009
quarta-feira, 15 de abril de 2009
Que homem, que ideias (Modelando o Orfeu)?
Alves de Sousa escreveu várias vezes que se tinha metido em trabalhos, dada a dimensão desta estátua que aqui podem ver a ser modelada - o resultado final está dois artigos abaixo. Repara-se na figura de Alves de Sousa, nas suas mãos enormes (era um homem pequeno - não deveria passar o metro e setenta), pose de romântico tardio, artista claramente do seu tempo, naturalista dos naturalistas. Se virem fotografias de um seu contemporâneo, Amadeo de Souza Cardoso, repararão que tinha uma figura e uma imagem muito actuais - era, pois, um homem de vanguarda. Não Alves de Sousa. Este leva-nos em viagem para o início do Séc.XX.O pai, Joaquim de Silva e Sousa, era monárquico, e terá pertencido à revolta de 1919 (a chamada Monarquia do Norte). Como já se referiu abaixo, Alves de Sousa também terá começado o seu percurso artístico pela mão de amigo do Rei D. Carlos, Teixeira Lopes (pai), tendo como mestre (e frequentado o ateliê de) outro Teixeira Lopes (filho).As suas posições políticas seriam muito próximas de João (Pinheiro) Chagas, cujos Diários são notáveis peças históricas para reconstituição do ambiente da Primeira República.
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Fotografia pouco vista
Esta fotografia de Alves de Sousa, oferecida ao Arquitecto Marques da Silva com dedicatória, é das menos vistas do escultor. Estava a adiar a publicação para apurar a data exacta da fotografia, mas decidi publicá-la mesmo assim. Caso não tenham ainda reparado, todos os artigos constantes deste blogue vão sendo aperfeiçoados à medida que a investigação avança. Embora a especulação e o silogismo de deduções quase sherlockianas seja útil para aproximações à realidade, sempre que há factos incontestáveis volto cá para que a credibilidade deste sítio não seja afectada.
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terça-feira, 14 de abril de 2009
O "Orphée" - Orfeu
Orfeu, assolado pela sua infelicidade, procura Eurídice em vão. Acabara de a perder para sempre.
A bonita história (da mitologia grega) de Orfeu pode ser lida aqui.
Em 13 de Novembro de 1911, Alves de Sousa envia, já com algum atraso, à Accademia de Belas Artes do Porto uma das suas provas do penúltimo ano de pensionista (haveria de conseguir prolongar a sua estada como pensionista até 1913, permancendo depois em Paris, a expensas próprias, até 1921, ano anterior ao da sua morte, com várias viagens de permeio a Portugal), e que aqui reproduzimos: o Orfeu.
Quem quiser vê-la ao vivo, deve visitar a Faculdade de Belas Artes do Porto, a São Lázaro (quase em frente à Biblioteca Municipal). Ao entrar na faculdade vira-se à esquerda, para o jardim interno, atravessa-se o mesmo, e o Orfeu encontra-se, imponente, à entrada de um dos pavilhões de aulas. Devo dizer que não tinha ideia de que a estátua era tão grande. Tinha-a visto apenas em fotografias, e parecia-me da dimensão de meio corpo. Quando dei de caras com ela e tive de observar aquela expressão de dor vinda de um homem com quase três metros, fiquei abismado.
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