António Alves de Sousa, escultor português,renasce aqui, 125 anos depois

domingo, 10 de janeiro de 2010

Entrevista com o Escultor no Hotel Universo, Chiado (Jornal "O Mundo", 15 de Abril de 1914)


Março de 1914.
Em plena polémica do concurso para o monumento ao Marquês de Pombal, em Lisboa, o jornal "O Mundo" recebe na sua redacção uma carta do escultor.

O crítico de arte e jornalista Oldemiro César resolve rumar ao Hotel Universo, que ao tempo tinha as suas portas abertas em pleno Chiado (e onde Alves de Sousa ficava sempre que tinha de se deslocar a Lisboa), para tirar a questão a limpo, entrevistando directamente o escultor.

O presente para os nosso seguidores é, pois, este: a transcrição desta raríssima entrevista. Aqui vai:

"Domingo, Lisboa, 15 de Abril de 1914
Jornal "O MUNDO"
Coluna "Arte & Artistas"
O PROJECTO DO MONUMENTO AO MARQUÊS DE POMBAL
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Dois concorrentes que protestam contra a classificação do concurso
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A´manhã o publico e a critica pronuciar-se-hão

Levanta celeuma a decisão do juri que pronunciou ha dias o seu parecer sobre as maquettes dos concorrentes à execução de um monumento ao marquês de Pombal. Um carta ontem recebida nesta redacção, que em seguida transcrevemos, parece indicar que não foi ditada tal decisão por um rigoroso sentimento de justiça e com absoluto criterio artistico. E' pelo menos o que diz o escultor Alves de Sousa, nos seguintes correctos termos:



"Sr. director do Mundo - A'cerca do concurso para o monumento ao Marquês de Pombal, a que o jornal de v. se refere hoje, tenho a honra de lhe comunicar que o meu companheiro José Marques da Silva e eu, autores do projecto que obteve o 2º premio, tencionamos apresentar um protesto contra essa classificação. Não me alongarei em considerações para basear esta nossa resolução, pois sei quanto é preciso o espaço de que v. pode dispôr no seu conceituado jornal. Essas considerações, e o publico, se encarregarão de as fazer na proxima quinta-feira quando puderem comparar a nossa maquette com a dos nossos colegas que obtiveram o primeiro premio. Não é nosso intuito amesquinhar, em merito absoluto, a obra delles, nem é delles que nos queixamos. O nosso protesto é sobretudo contra a classificação relativa que foi feita e mesmo contra a forma como decorreu o concurso. Não queremos tão pouco insinuar que o juri procedeu com uma comsciente injustiça, mas apenas que houve precipitação na classificação e que por isso ella deve ser corrigida. Não compete, de resto, a nós fazer o elogio da nossa obra, que aliás elaboramos com o maior carinho e com comsciencia de que ella é a obra de arte que impunha uma capital como Lisboa e uma figura historica como a de Pombal. Por isso nos limitamos a pedir encarecidamente a v. , ao publico e à crítica imparcial que visitem a exposição das maquettes na proxima quinta-feira, que as compararem, sem sugestão, sem parti-pris, com serenidade, e que em sua comsciencia digam se a arte e a justiça não foram profundamente feridas neste concurso para o qual estão voltadas as atenções de todo o país. Pedindo desculpa a v. do tempo que lhe tomei, tenho a honra de me subscrever, etc. - António Alves de Sousa.

Desejosos de esclarecer tão momentoso e importante assunto, procurámos esta madrugada ouvir do signatario desta carta, que está hospedado no Hotel Universo, ao Chiado, mais expressas razões que justificassem o seu descontentamento. O Sr. Alves de Sousa, que é incontestavelmente um grande escultor, possuindo uma vasta educação artística, da melhor vontade se prestou a atender-nos, expondo como primacial motivo para a condemnação da maquette premiada em primeiro lugar, que, como se sabe, é obra dos distintos arquitectos Adães Bermudes e Antómio do Couto Abreu e do escultor Francisco dos Santos, o facto destes três artistas terem alterado de fond en comble o ante-projecto, agora absolutamente diverso do que era.
"Reuniu o juri no sabado em sessão preparatoria e por artes estranhas transformaram-na em definitiva não hesitando em proncunciar-se sobre o concurso, apesar de não estarem presentes dois dos seus membros, Teixeira Lopes e Veloso Salgado. Sob o ponto de vista estetico condemno absolutamente a maquette premiada. Falo como artista e e não como despeitado. As figuras não teem grandeza e todo o conjunto é mesquinho, resultando um monumento pequeníssimo, verdadeiramente improprio do local a que se destina. Depois a competencia do juri....Compunham-no arquitectos, três engenheiros e um escultor. A competencia dos engenheiros em materia de arte é mais do que duvidosa. Dos arquitectos apenas direi que como oficiais do mesmo oficio não lhes desagradaria desmentir o proverbio que os dá como figadais inimigo. Resta o escultor. Era um unico voto que poderia pesar na decisão final. O que eu desejo é apenas que o publico, o supremo juiz nestes assuntos, a quem não move o interesse mesquinho ou a vontade irritada, sobre elle se pronuncie."
As maquettes já estarão amanhã em exposição na Sociedade Nacional de Bellas-Artes. Pronunciar-se-ha a opinião do publico. E' de crer que sim, que não lhe falta o que aos membros do juri faltou, salvo honrosa excepção - independencia e senso-comum.
Oldemiro Cesar"

E a polémica prosseguiu acesa durante uns (bons) anos.
Esta entrevista foi publicada há praticamente 96 anos.

Erros da pequena história

O escultor Alves de Sousa nunca teve direito à dedicação exclusiva de um historiador rigoroso. Embora as teses da Dra Lúcia Matos e do Dr António Cardoso se tenham debruçado, pela primeira vez usando métodos científicos e devidamente habilitados, sobre facetas do escultor, nunca o tiveram como principal objecto de investigação. Para a Dra Lúcia ele é um entre muitos escultores, e, como se sabe, o objecto de estudo e tese do Dr António Cardoso foi o Arquitecto Marques da Silva. Embora saudando o carinho e empenhamento do Padre Romero Vila e do decano de Vilar de Andorinho, J. Costa Gomes, a verdade é que nos seus trabalhos, publicados abaixo, encontramos algumas imprecisões que convém ir aclarando com maior rigor, à medida que prosseguir esta investigação, embora lembrando, para todos os efeitos, que o signatário, sendo bisneto e apaixonado do escultor, também não é um cientista habilitado, embora se venha esforçando em ser rigoroso.

Hoje olhamos brevemente para a bonita fotografia supra, que tem 99 anos, e vem sendo legendada nos sucessivos trabalhos leigos e artigos de jornal ao longo dos tempos como sendo a "noiva de Alves de Sousa". Algumas da legendas garantem, inclusive, ser ela a própria Germaine Lechartier.

Ora, não é, nem nunca foi, pelo menos do que é possível conhecer. Embora a vida amorosa do escultor seja ainda nuvem densa, pensa-se que só teve uma noiva, e eventualmente mulher (não há ainda certezas, como sabem, sobre o casamento), mãe dos seus filhos, a minha bisavó Germaine Lechartier, só revelada postumamente à família pelo escultor.

Se se ler com atenção a dedicatória da fotografia supra, nunca até hoje publicada (é um orgulho, é; como não?:), é possível tirar com clareza da cuidada caligrafia: "A mon ami Antonio (...), Geneviéve (...)".

Não é difícil perceber, até por comparação com as imagens aqui publicadas de ambas, que Geneviéve e Germaine não são a mesma pessoa.

Um erro, pois, replicado através dos tempos.

99 anos depois, fica esclarecido.

sábado, 9 de janeiro de 2010

126º

Olá! Já não vínhamos cá desde 25 de Agosto, mas não devem pensar que algo esmoreceu, bem pelo contrário. O espólio e os documentos para o estudo aprofundado da vida e obra do escultor continuam a encher a prateleira que lhe está dedicada cá em casa (há dias, cresceu com um livro que comprei sobre Gulhermina Suggia, sua contemporânea no Porto e em Paris), e é bom lembrar que esta investigação, sendo aberta e potencialmente infinita, tem um encontro marcado com o ano de 2015. Isto porque a pressa sempre foi má conselheira. Se a minha actividade fosse apenas esta, e fosse possível uma dedicação exclusiva, poderia ganhar-se um a dois anos, mas como não é...vamos ter de lá ir por marés:))).

Pegar em Alves de Sousa como nele peguei em três loucos meses do ano passado, de forma compulsiva e dedicando-lhe todos os pedacinhos livres, em princípio, só vai ser possível de novo em 2011.
Se bem se lembram, além de ser advogado em exercício, em 2010 tenho um livro para publicar, um para terminar e outro para começar em força. As minhas leituras têm o exclusivo deste último, sobre o Holocausto, pelo que não me sobrará tempo para mais nada que não a procura de documentação em alfarrabistas, jornais antigos e livrarias.
2010 vai trazer-nos, certamente, uma enorme variedade de obras sobre a Implantação da República, e é fundamental estar atento a cada uma. O escultor Alves de Sousa é um dos símbolos esquecidos da República, e consta que o seu pai, amigo pessoal de Teixeira Lopes-pai, que por sua vez o era de Sua Majestade o Rei D. Carlos, terá sido um dos apoiantes da Monarquia do Norte

Falta um minuto para que terminar o dia 9 de Janeiro de 2010, dia do 126º aniversário do seu nascimento, e também o da sua neta Filomena, bisneto Paulo e trineta Rita. Por isso mesmo, hoje trazemos dois presentes a quem tem a gentileza de seguir este blogue sobre o escultor: a fotografia de um detalhe (acima) e.... bom, pelo outro o melhor é esperar mais um pouco, porque vale a pena:).

Parabéns, António!

Foto: Objectiva pertencente à máquina fotográfica de António Alves de Sousa, guardada pelas suas netas, filhas da sua filha Hidrá.